AUTOCRACIA

1.19.2005

A Linguagem Pictórica


Julgo ser um dado adquirido que a linguagem escrita evoluiu de valores pictóricos e de motivos figurativos de representação da realidade. São prova disso os caracteres cuneiformes assírio-babilónicos, os hieroglifos egípcios e mesmo os ideogramas chineses. O exemplo mais concludente deste facto é a escrita Maia, que se assemelha surpreendentemente a vinhetas de banda-desenhada.
À parte o carácter xamânico, litúrgico ou mágico que se possa atribuir à pintura rupestre, à parte a possibilidade de que servisse, nas entradas das grutas paleolíticas, para afugentar animais (com imagens de predadores), o mais importante aspecto da sua utilização parece ser de tipo estratégico e pedagógico. As cenas de caça que retratam grupos de homens estilizados cercando um animal de grande porte, ou animais diversos com lanças espetadas no corpo, compõem a grande maioria das pinturas rupestres conhecidas. Este facto aponta para a hipótese de que o acto de pintar obedecesse a uma tentativa de planeamento e de organização tribal.
Numa era em que não existia agricultura e domesticação animal, o Homem era um nómada dependente da caça e com poucas hipóteses de sobrivência individual perante as inúmeras ameaças naturais. Inserido em aglomerados tribais, teve de conceber formas rudimentares de comunicação que possibilitassem acções de grupo.
Podemos encontrar paralelismos desta realidade comunicativa da Arte por toda a História, mesmo após a invenção da escrita. Desde os baixo-relevos egípcios aos vitrais das igrejas medievais, a Arte servia a função principal de narrar uma história importante a uma população maioritariamente analfabeta.
Hoje ainda se considera a Arte como uma Arte da Comunicação, mas as correntes contemporâneas, sob a máxima da “Arte pela Arte” tornaram-a uma comunicação autista. Quando se fala hoje em Arte da Comunicação, mais facilmente se sugerirá ao ouvinte a ideia de Design do que necessariamente a de Pintura ou Escultura. O purismo formal e a procura de síntese patente em correntes como a arte conceptual, o minimalismo, o suprematismo, o abstraccionismo, etc, transformaram a linguagem explícita da arte num código críptico cuja chave é o próprio artista. Esta procura, ironicamente, parece recriar um período de transição inexistente entre a pintura rupestre e os primeiros ideogramas. Contudo, ao contrário deste exemplo, a Arte Moderna não se fundamenta numa necessidade comunicativa mas numa introspecção e abstracção analítica que apetece denominar como uma “demanda da matemática pictórica” ou “física plástica da psique”. O que se pretende não é a geometria, mas a idolometria que solucione a beleza nas suas dinâmicas mais simples.
A minha opinião é que Arte e "mensagem" são o mesmo conceito em termos latos, e toda a criação artística pode e deve ser definida pela intenção criativa. Nesse sentido, “Arte pela Arte” não é Arte mas “Artistismo”. Não sou a favor de um retorno ao figurativismo, pois isso é reaccionário e facilitista. Também não sou a favor de uma comunicação artística literal e de eliminação da subjectividade, pois essa existirá sempre. Mas considero que a criação solitária e intimista, auto-biográfica e auto-imersa é egoísmo puro e onanismo estéril. A Arte deve ser uma linha curva para o “outro” e não um ponto inerte.

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