AUTOCRACIA

2.26.2005

A Indústria Musical e a Era Digital
A Message from the Empire

Desde que dei início a este blog, houve sempre um assunto que desejei abordar mas que nunca consegui contextualizar devidamente. Até que, por acaso, surgiu a oportunidade de ter uma (animada) discussão sobre isso, há um par de dias atrás. É curioso como por vezes a melhor maneira de pensar numa determinada questão é simplesmente falar sobre ela. Mesmo quando não estamos totalmente certos daquilo que pretendemos, o exercício de comunicação obriga-nos a estructurar, fundamentar e explicitar essa opinião em todos os seus ângulos. Ao fazermo-nos compreender, descobrimo-nos. Auto-leccionamo-nos (perdoem o palavrão).
Finalmente, e graças a isso, posso então exprimir a minha visão sobre a Guerra da Propriedade, em que se digladiam a Indústria Musical e os melómanos da Era Digital. Já muita tinta e algorritmos correram sobre este assunto, mas tanto quanto pude averiguar, há contornos fundamentais deste paradigma que permanecem intocados e anónimos.
O que me parece imprescindível discutir são os papeis desempenhados por ambos músicos e piratas nesta querela comtemporânea. A indústria musical tem afirmado, perante o advento do "self-service digital", uma posição ditatorial. Presume que deve ditar ao consumidor a forma como deve consumir. Esta atitude é aberrante. Uma empresa que oferece um produto, deve adaptar esse produto às necessidades e exigências da procura. O contrário seria tentar vender estrume a contabilistas.
A questão legal não é o fulcro do problema, pois é do conhecimento comum que vários artistas de sucesso se mostraram a favor da partilha pela internet. Não me parece injusto concluir que apenas as bandas com aspirações ao lucro megalómano e aquelas que se habituaram a tais remunerações vêem essa iniciativa com receio. Os músicos com ambições maioritariamente artísticas admitem, pelo contrário, estar em dívida para com a tecnologia Peer-to-Peer (P2P), pois sem ela, em muitos casos, encontrar-se-iam afónicos, desconhecidos de todos, sufocados pela indústria que os deveria acarinhar.
A indústria musical deve procurar cativar o consumidor moderno. Deve investir nele, flexibilizar-se para ir de novo ao encontro dos seus interesses, inovar o mercado em vez de o asfixiar. Em vez de exercer um dominío agressivo (à semelhança das petrolíferas), tornando impossíveis as alternativas de consumo.
Sejamos realistas, os formatos estão sempre a mudar, caducam, são ultrapassados por outros de melhor qualidade, desde o vinil à cassete, ao CD, ao DVD e agora ao HD (Hard-Drive). Se fôssemos tão conservadores como a indústria está a ser, ainda ouviríamos música em grafonolas. E é triste observar que muita resistência se opôe a esta mudança. Como se, de um momento para o outro, ao se investir em música avulsa (MP3s ou outros formatos), os CDs deixassem de existir. Evitem pensar assim. Há muitas razões para liberalizar este formato, a mais importante a meu ver é o reduzido tempo de vida de um CD. Embora a esperança média aponte para os dez anos e haja quem defenda que a durabilidade é ainda maior, a minha experiência é que ao fim de cinco anos um CD original comprado a custo já esteja saturado de ruído, com quebras e faixas corruptas. Podem retorquir, acusando-me de desleixo com os CDs, mas a verdade é esta, são frágeis e deterioram-se facilmente. Mas há outras razões. O facto de ter de comprar 60 a 90 minutos de música, quando a maior parte das vezes só me interessa uma faixa de quatro minutos, é desanimador. Sobretudo aos preços que se praticam em Portugal. Disto resultam duas situações: ou compro um album para o pôr na prateleira, ou coíbo-me de o comprar, ou adquiro a música que me interessa na internet. Caso não nade em dinheiro, qualquer uma das outras opções é prejudicial na mesma medida à indústria musical.
Esta predilecção pelo download prende-se com o poder de selecção e tem de ser respeitada. Até porque há muitas formas rentáveis de aproveitar este tipo de consumo. Podemos constatá-lo pela gama de produtos orientados para música digital, que têm sido lançados recentemente. É curioso verificar que são empresas não-editoriais como a Apple (i-Tunes) que têm conquistado com irreverência este mercado. Este facto corrobora a ineficácia do discurso despótico da obesa indústria musical, que em letargia na opulência do trono corporativo, é incapaz sequer de viajar até à janela para encarar a realidade do mundo que governa. Ao incentivar uma guerra de tribunais, tem esquecido constantemente que a fundação para qualquer negócio promissor, reside na máxima de que "o cliente tem sempre razão". Se se obstinar nessa condição, condena-se a ser ultrapassada por uma revolução que está já em curso. Os gigantes estão ameaçados e, com atitudes dinossâuricas, arriscam-se à extinção. Querem tanto silenciar a mudança, convencidos que detêm a razão que serão consumidos pela sua própria soberba, presunção e ganância.
A revolução é ainda um passo tímido. Há muito que falta fazer para tornar de novo apelativa a compra de música. Se realmente, o consumidor tem demonstrado uma preferência avassaladora pelo formato digital e recorre a programas de partilha para o obter clandestinamente, então torna-se imperativo, renovar o interesse pelo "objecto". Uma vez que a música em si não tem qualquer valor de posse, mas apenas de usufruto, a única hipótese viável de revitalizar a procura e insuflar o desejo comercial pela música é remodelar o objecto. Bastaria, para tornar isso possível, comercializar cartões de memória de uma única faixa com um design variado e atractivo. Essa iniciativa, daria um novo significado ao conceito de CD-Art. Imaginem entrar numa loja de música e ao lado de CD's, Vinis e DVD's, encontrarem uma interface USB para descarregar músicas ou, melhor ainda, músicas individuais em formato de cubo, esfera, poliedro, caneta, etc, etc, etc. É um conceito extremamente sedutor, poder comprar o novo cubo-single dos Massive Attack, ou o anel-album dos White Stripes... As hipóteses são infinitas. Acho espantoso que ninguém se tenha lembrado antes disso e parece-me mais sensato acreditar na inerte resignação imperialista da indústria. É certo que uma tecnologia deste tipo é demasiado dispendiosa e iria disparar o preço já exorbitante da música, mas não é esse o entrave. Todas as novidades comerciais surgem a preço de ouro no mercado e, em caso de dúvida, fazem-se edições limitadas, promove-se, combinam-se esforços. Mais tarde ou mais cedo, os preços fluctuarão e à medida que a procura suba e a concorrência batalhe, será possível atingir valores razoáveis.
Não só do ponto de vista do consumidor e do comércio, esta iniciativa poderá provar-se apetecível, mas também para o músico. Ao ser viável a venda avulsa de faixas, acabarão as castradoras cláusulas contractuais que obrigam à produção de um X número de CD's, acabará o impasse financeiro que existe para o período de criação até à compilação de um número aceitável de faixas para um CD. Será possível editar músicas uma a uma e esse sistema condicionará a criação musical, obrigando a uma melhor qualidade. Músicas com menos interesse para o consumidor venderão menos, músicas com maior interesse venderão muito mais do que um simples CD. Fazendo o balanço de todas estas variáveis e pressupondo que este novo formato desinteressará muitos consumidores da pirataria, parece-me fácil adivinhar o quão rentável será investir em inovar.


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