AUTOCRACIA

2.21.2005

O Maravilhoso e Ansiado Retorno ao Saudoso Positivismo Facilitista Socialista
David - Julgamento e Morte de Sócrates

Ora, parece que afinal tinha razão, o PS venceu as eleições sem sequer trabalhar para isso. Não é de admirar. Em Portugal, como em muitos outros países, vota-se à direita numa altura em que as dificuldades económicas são alarmantes e vota-se à esquerda logo a seguir para contrabalançar as políticas de contenção com promessas sociais.
Afinal de contas, o melhor para Portugal, não era o que estava em causa, porque a campanha nunca se baseou em ideias ou projectos, mas em figuras de proa. Mas que ninguém se atreva a dizer, que votou em Sócrates porque este é um magnífico líder, um excelente estadista, um homem com uma carreira brilhante, cheio de convicções políticas e de vontade de construir um melhor futuro para o país.
Mantenho tudo o que disse. Nestas eleições, votar PSD era contribuir para a Democracia em Portugal. Como se viu, toda a margem esquerda subiu historicamente, deixando a direita reduzida a um canto. Tive muitas discussões ao longo destes dias sobre toda a conjuntura actual e aquilo que observo é que a maior parte das pessoas não quer saber verdadeiramente de alternativas. Pela maneira que falam, pela forma como defendem ideologias e projectam os seus sonhos, a maior parte das pessoas, desconfio, gostaria de ver o partido em que assiduamente vota transformar-se no partido único em Portugal. A maior parte das pessoas, à sua inocente maneira, é fascista. Perdoem-me, mas é isso que penso. Uma democracia sólida é aquela em que todas as correntes de pensamento nacionais estão corporizadas em partidos e que, de quatro em quatro anos, todos eles possam ter uma igualdade de oportunidades para alcançar o poder. Mas não é isso que se passa.
Como muitos comentadores observaram, em noite de eleições, a estratificação de voto presente, não é demonstrativa de uma real estratificação social. O país não é canhoto, apenas tem o braço direito engessado. Vítima de um atropelamento causado pela mão esquerda...
Isto faz-me lembrar um documentário que vi há uns anos sobre a epilepsia, no qual indíviduos que sofriam desta condição eram sujeitos ao corte do corpo caloso, separando os dois hemisférios do cérebro (a lobotomia de Egas Moniz). A recuperação era milagrosa, uma vez que os ataques epilépticos são causados por um excesso de sinapses neuronais. Mais tarde descobriu-se que a maior parte destes pacientes desenvolvera terríveis neuroses, causadas pela quebra de comunicação entre os dois hemisférios, em que os actos das funções esquerdas do corpo não eram percepcionadas pelo hemisfério oposto. Nos relatos de neuroses mais recorrentes, os pacientes testemunhavam que uma das suas mãos os atacava durante o sono e tentava sufocá-los.
A realidade política portuguesa sofre um pouco desta disfunção também. Leucotomizou-se a esquerda da direita, não comunicam, não são capazes de funcionar como um todo representativo da população portuguesa. Deveriam usar as suas divergências de forma constructiva , mas em vez disso servem-se delas para cavarem um fosso entre si, atacando-se mutuamente sem qualquer razão.
Apesar de tudo estou optimista quanto a este mandato. Gostaria de ter visto o partido socialista suar na noite das eleições, gostaria de o ter visto lutar por uma vitória difícil, gostaria de o ter visto coligar-se à esquerda para obter uma maioria mais heterogénea (e logo melhor representativa da população portuguesa), gostaria de o ter visto ganhar por valorização e não por exclusão de partes, gostaria de ter visto Jorge Sampaio engolir em seco... Infelizmente nunca obtemos tudo o que desejamos...
Mas estou optimista, a esquerda tem todas as condições que a direita não teve há três anos atrás, para operar mudanças positivas neste país. Após uma época de contenção, de crise, encontramo-nos numa linha económica ascendente e é possível de novo investir em projectos de cariz mais socio-cultural. Isso não será difícil ao PS, não haverão decisões tão difíceis para realizar, como o governo social-democrata encontrou pela frente, após uma época de calamitosa má gestão socialista.
Estou optimista, porque sei que o país, com a maioria absoluta socialista, voltou de novo aos seus tão queridos brandos costumes. Tudo poderá permanecer igual. Bastará o levantamento da ideia de crise e o discurso positivo e sonhador para devolver a confiança perdida ao nosso povo.
No fundo, por mais críticas que possa tecer a José Sócrates (e acreditem que é uma enciclopédia delas), sei que ele não será pior que um Guterres, que um Barroso ou que um Santana. Lamento apenas, que tenhamos perdido a oportunidade de ensinar à classe política que não somos ignorantes, que não somos tão previsíveis e ocos como nos julgam, que não somos tão tacanhos e mesquinhos que responsabilizamos uma única pessoa por todos os problemas do país, que de vez em quando podemos surpreendê-los e que se quiserem manter os seus postos deverão esforçar-se para dignificar os seus exercícios políticos e honrar os seus eleitores.
Lamento a decisão de Paulo Portas em abandonar o CDS-PP. Compreendo que já não veja razões para lutar e já não encontre forças para o fazer. Mas a fraqueza que o impele a abandonar tão dignamente o cargo enfraquecerá sobretudo o PP e com isso a própria direita, já tão diminuída.
Santana Lopes teve os seus quinze minutos de fama no lugar de primeiro-ministro e, injustamente, acredito que nunca voltará a ter uma oportunidade igual. Em política, no entanto, não há vencedores, nem vencidos e a única real derrota é a derrota democrática que transformou este país num ciclope.

[+] Expandir Tópico