AUTOCRACIA

3.23.2005

A Nova Idade Média
Hyeronimus Bosch - The Garden of Delight

Se é verdade que a História é cíclica, que Civilização é repetição, não tenho dúvidas que revivemos a Era Negra, a Idade do Terror. O obscurantismo que caracteriza a Idade Média encontra um paralelo poderoso nos dias de hoje. Não há outro exemplo tão verosímil.
Vejamos antes de mais a Arte. Sendo esta um espelho da sociedade, reveste-se de uma extrema qualidade sociológica e antropológica e é portanto indispensável analizá-la. Em nenhuma outra época nos deparamos com semelhantes visões apocalípticas da sociedade espelhadas na Arte. O deslumbramento e optimismo vigentes desde a Renascença sucumbiram após a II Guerra Mundial. Ombreando os pesadelos dantescos de Hyeronymus Bosch, as assombrações infernais de Böeklin, erguem-se então as fotografias macabras de Joel-Peter Witkin e Andres Serrano, as depravações satánicas de H.R. Giger, as distorções fantasmagóricas de Francis Bacon e Anselm Kiefer, etc.
As duas Guerras Mundiais são, sem dúvida, a raíz da actualidade. Com esta catástrofe derruba-se o optimismo humanista do Século das Luzes. A ausência de esperança, a falta de confiança na humanidade e o sentimento de impotência e insignificância do indivíduo são a consequência de uma depressão mundial derivada da queda do iluminismo, fundamentada na constatação da impossibilidade de evoluirmos para além da nossa tendência bélica de auto-destruição.
Mas não é apenas na Arte que se encontram estas sobre-imposições. A ignorância popular medieval é outra. Enquanto na Idade Média apenas a classe aristocrata tinha acesso à educação e essa era monopólio do Clero, hoje podemos comparar a realidade em causa com a Ciência. O Ensino depende ainda do poder económico das "classes". Segundo um artigo do «Boletim Económico» do Banco Central, um agregado familiar investe cerca de 25 mil Euros na obtenção de uma licenciatura! Perante tais estimativas, parece difícil concluir que o acesso ao ensino é democrático... A relação entre o Clero e a Ciência e a realidade desta substituição, já as explorei no tópico "Humanismo ou Egotismo" (leiam os comentários...). Nas palavras de Carl Sagan: «Construímos uma civilização global, em que a maioria dos seus elementos cruciais dependem profundamente da Ciência e da Tecnologia. Também construímos as coisas de forma a que quase ninguém compreendesse a Ciência ou a Tecnologia. Podemos gozar de alguma impunidade durante algum tempo, mas mais cedo ou mais tarde esta mistura combustiva de ignorância e poder irá explodir na nossa cara.»
O obscurantismo que caracterizava a Idade Média, denominador da ignorância, do analfabetismo, da ausência de ética, do despotismo, etc, pode ser aplicado hoje aos mesmos motivos. Vivemos sufocados por informação, desinformação, propaganda, condicionamentos lógicos, pedagogias fascistas, num leito de consumismo que alimenta tanto as nossas necessidades como as mais prescindíveis trivialidades. Esta conjuntura aliena até as mesmas mentes mais revolucionárias e resistentes, condenando-as a um conformismo inescapável. Deste modo, permanecemos ignorantes perante o que nos rodeia; analfabetizados por ilusões, mistificações e um conhecimento parcial da realidade; imorais por escolhermos a via mais fácil e vivermos as nossas luxuosas vidas ocidentais em esquecimento constante das misérias alheias.
A poluição e a falta de higiene medievais, encontram um paralelo ainda mais assustador na nossa era. Mantemos o hábito de usar a rua como lixeira, com a diferença que numa aldeia global, a rua são todos os lugares do planeta.
A Peste Negra que dizimou um terço da Europa, lembra assustadoramente a epidemia contemporânea da Sida. Mas a semelhança é ainda maior em relação ao cancro. O bacilo da Peste Bubónica em si não teria degenerado numa pandemia, não fosse pelos costumes insanitários da época. Hoje assistimos a algo idêntico no caso da disseminação dos vários tipos de cancro pelo mundo, causados em grande medida pelos costumes e adventos contemporâneos como o tabaco, a alimentação, a poluição urbana, os componentes industriais, etc.
Outro ícone da Era Medieva é a Santa Inquisição que nos remete para os herdeiros maçónicos da doutrina templária, que se apoderaram hoje em dia das esferas do poder. E esse espírito castrador e punitivo de perseguição revive agora nos serviços de inteligência dos Estados, como a Mossad, ou a CIA, igualmente capazes de condenar sem lei, torturar sem remorsos e matar sem consequências.
Mas a melhor prova de que a todos os níveis parecemos ter regredido até à medievalidade, é o sistema político. Se formos suficientemente esclarecidos e conseguirmos ser sinceros com nós mesmos o suficiente, para constatarmos que mais do que numa Democracia, vivemos sobretudo numa Economia e que, mais do que num país, vivemos sobretudo num mercado, será fácil observar o que me parece justo nomear "Feudalismo Corporativo". Porque em termos de mercado, é de forma feudal que as corporações se constituem, praticando as suas próprias normas e reemunerações, ditando a agregação das populações em redor da riqueza gerada. O Estado é o maior poder feudal, oferecendo uma série de direitos aos seus vassalos em troca de serviços, que até há bem pouco tempo incluiam obrigações militares. Isto é a definição perfeita de Feudalismo, a relação de poder entre Nobres e Súbditos, caracterizada pelo acto de troca de valores em causa.
Face a estas razões, não me parece dúbio que estamos a atravessar um período de horrores ao nível da Era mais vergonhosa da nossa História. Em termos psicanalíticos, o primeiro passo para a recuperação é a constatação do mal. Resta-nos então conquistar a clarividência necessária para o reconhecermos e esperar que o desespero e nojo que a modernidade inspira, nos movam a ultrapassá-la de uma vez por todas! A mudança está já ao nosso alcance na forma de energias alternativas que nos obrigarão a reconstruír o nosso papel no mundo e reformular a visão do Homem como um ser planetário. Mas a inércia é um poderoso agente histórico de resistência à mudança e é possível que antes de melhorar, o mundo piore bastante. Escolham bem o lado em que se encontrarão quando a revolução suceder. Libertem-se dos grilhões do consumismo, evadam-se das prisões da mente! Coloquem o bem da Natureza à frente do vosso próprio, que só existimos nela, ou continuem a criar ilhas de egoísmo numa Era Industrial que nada contribui para dignificar a nossa existência e dediquem-se à auto-extinção!

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